segunda-feira, 13 de novembro de 2017

Missão constitucional O Legislativo elabora e aprova as leis. O Executivo as sanciona. E o Judiciário as interpreta e aplica

Missão constitucional

O Legislativo elabora e aprova as leis. O Executivo as sanciona. E o Judiciário as interpreta e aplica


POR GUILHERME GUIMARÃES FELICIANO / NOEMIA GARCIA PORTO


Imaginemos um texto legal produzido por notáveis representantes populares, sob o comando do Executivo. Um texto que, pelo que se acredita, dispensa interpretação, seja evidente e inquestionável. Essa crença já teve preponderância, há muito tempo, com o Código de Bonaparte, em 1804, tendo sua influência, no Brasil, entre as Constituições de 1824 e 1891.


Estamos em 2017, em um estado democrático, como expressa a Constituição. Compreende-se hoje que todo texto exige o contexto de aplicação normativa, já que a realidade dinâmica da vida é por onde orbitam os tantos casos submetidos ao Judiciário. O próprio STF já reconheceu, em voto do ministro Eros Grau, que o texto não é a norma. A norma se extrai do texto, pela via de interpretação.

O papel dos juízes é, pois, o de empreender soluções adequadas às demandas concretas por justiça, a partir de textos normativos e da realidade dos fatos. Interpretar é concretizar o direito.

Então por que tem causado tanto espanto a ideia de que juízes (em especial, os trabalhistas) interpretarão a lei? O ato de interpretá-la os torna “rebeldes”? Não. Cumprem a sua missão constitucional. A retórica da literalidade tem claro propósito: o de intimidar magistrados, procuradores, auditores e advogados, diante das disputas semânticas no cenário de alteração das normas.

A Lei nº 13.467/17, de brevíssima tramitação no Congresso, deverá ser interpretada, assim como todas sempre foram, são e serão. Esse fato não é inovador, tampouco é a tentativa de rejeitá-lo, que remete à época de Bonaparte.

O discurso da suposta “rebeldia” dos juízes retoma um cenário do século XVIII-XIX e defende o indefensável: que o texto legislativo é autoevidente, dispensa interpretação e a “segurança jurídica” está nele próprio. Essas premissas foram afastadas nos processos de redefinição dos estados constitucionais modernos, por serem falsas.

O que a reforma vai gerar ou modernizar e para quem? Não se pode antecipar resposta. Outra pergunta parece mais pertinente: qual é o papel dos juízes numa democracia? Sobre o Judiciário depositam-se expectativas dos cidadãos pela concretude dos direitos fundamentais, num sistema que tem na pessoa humana o seu valor central.

O Legislativo elabora e aprova as leis. O Executivo as sanciona. E o Judiciário as interpreta e aplica. Assim funciona a República. Nos sistemas de “civil law”, como é o brasileiro, o lastro da justiça é sempre a lei, que não esgota o Direito. Há que cotejá-la com a Constituição, com as convenções internacionais e demais leis.

A visão que propõe aos juízes o indefectível apego à letra da lei não é estranha. Surgiu no passado, com o Código de Napoleão. Mas o que gera profunda apreensão é observar que, passados 213 anos, suas premissas ressurjam com ares de “civilidade”. Puro obscurantismo.

Guilherme Guimarães Feliciano é presidente e Noemia Garcia Porto é vice-presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra)

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